TURQUIA INVADE A SÍRIA: A ESCALADA DA GUERRA CONTRA OS CURDOS

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09/09/2016, por Trevor Rayne.


Em 24 de agosto de 2016, a Turquia lançou uma invasão à Síria com tanques, várias centenas de soldados turcos e 1.500 combatentes do
Exército Sírio Livre (FSA). A força de invasão entrou na cidade de Jarablus com drones norte-americanos na assistência, colhendo informações para as forças turcas. O ministro da Defesa da Turquia, Fikri Isit, disse que a intenção era degradar o Estado Islâmico (IS) e ‘impedir que o Partido da União Democrática (PYD) de unir os cantões curdos”. O IS havia controlado Jarablus por três anos; ele deixou a cidade sem lutar. O membro executivo do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), Murat Karayilan, explicou “o IS evacuou a área entre Jarablus e Azaz, então o que está acontecendo agora é uma troca, não uma operação militar”; o IS e o governo turco fizeram um acordo.

Moradores relataram que soldados do IS viajaram de Jarablus pela fronteira para a Turquia vestindo uniformes do FSA. Como colocado por Hisyar Özsoy, MP do predominantemente curdo, Partido Democrático dos Povos (HDP) na Turquia, “Esta não é uma operação para resgatar a cidade de Jarablus do IS… Esta é uma operação para resgatar o IS das forças curdas, que na semana passada libertaram a cidade de Manbij e derrotaram o IS.” Sob a pretensa luta contra o IS, a Turquia tem aumentado sua guerra contra os curdos. Trevor Rayne relatou.

Até 31 de agosto, a artilharia turca já havia matado 50 civis na região sul de Jarablus. Curdos nos cantões (áreas administrativas) de Kobane e Afrin em Rojava (norte da Síria / Curdistão ocidental) foram atacados pelo exército turco e seus aliados do FSA. O primeiro-ministro da Turquia, Binali Yildirim, disse: “Nós nunca permitiremos que uma entidade curda se forme em nossa fronteira sul. Vemos isso como uma ameaça à nossa segurança nacional.” As autoridades norte-americanas pediram ao Estado turco para agir com moderação, mas o presidente da Turquia, Erdogan, disse: “Nós vamos continuar [as operações na Síria] até erradicarmos o PYD. Estamos apoiando o FSA em todos os sentidos.” O vice-chanceler da Kobane, Idris Nissan, advertiu: “[Os curdos] consideram que esta é uma agressão óbvia. A Turquia vai sofrer uma série de prejuízos e, embora tenha sido a única a decidir vir para a Síria, não será a única que vai decidir quando vai sair. “

Após a fracassada tentativa de golpe em 15 de Julho de 2015 (ver FRFI 252 Agosto/Setembro 2016), ministros e oficiais do governo turco realizaram uma série de reuniões com representantes dos governos russos, iranianos, sírios, israelenses e norte-americanos. A Turquia preparou o terreno diplomático antes de lançar seu plano de invasão de longa data. É provável que a Rússia tenha informado o governo sírio antes da invasão ocorrer. Masoud Barzani, presidente do Governo Regional do Curdistão (KRG) no Iraque, esteve na Turquia pouco antes da invasão. A KRG tem laços econômicos estreitos com a Turquia e em conjunto com o governo turco impõe um bloqueio à Rojava. O vice-presidente dos EUA, Joe Biden, estava na Turquia quando a invasão estava em andamento.

Os Estados turco, sírio, iraniano e iraquiano foram formados após a Primeira Guerra Mundial, em parte, com base na supressão dos direitos curdos. Nos últimos anos, a luta curda adquiriu força e agora é vista como uma ameaça por todos os quatro Estados do Oriente Médio e, consequentemente, pelos poderes que apoiam esses Estados. Ao mesmo tempo, os curdos tem provado serem os lutadores mais eficazes em solo contra o IS e receberam o apoio dos EUA pelo ar. Para os EUA, a intenção deve ser a de restringir a luta curda para servir a fins imperialistas.

Com a guerra civil síria a partir de 2011, os curdos aproveitaram a oportunidade para declarar autonomia para Rojava em 2012. Eles não ficaram ao lado do governo Ba’ath nem dos imperialistas que procuram derrubá-lo. Eles desenvolveram o seu movimento como uma alternativa para ambos: o caminho da revolução democrática (veja FRFI 237 Fevereiro / Março de 2014). O governo turco reagiu exigindo uma “zona segura”, supostamente para refugiados sírios, e uma zona de exclusão aérea no norte da Síria, na fronteira com a Turquia. Ambas iriam aumentar a influência da Turquia na Síria e desafiar a autônoma Rojava dos curdos. A Turquia também declarou o rio Eufrates como sendo uma “linha vermelha” que as forças curdas não devem cruzar. Quando os curdos defenderam com sucesso Kobane e expulsaram o IS em janeiro de 2015, o governo turco preparou-se para a guerra contra os curdos na Turquia e na Síria. Em junho de 2015, forças lideradas pelos curdos libertaram com sucesso Tal Abyad na Síria da ocupação pelo IS. Tal Abyad era um canal de passagem de suprimentos e recrutas das organizações jihadistas da Turquia para a Síria. Em março 2016, curdos de Rojava propuseram um sistema político federal em Síria, que iria conceder autonomia aos curdos e outros grupos étnicos. Em 12 de agosto de 2016, as Forças Democráticas Sírias (SDF), em que o YPG (Unidade de Proteção dos Povos)/YPJ (Unidade de Proteção das Mulheres) são predominantes, libertaram Manbij após as forças do IS resistirem durante 75 dias. Manbij fica a oeste do Eufrates. A SDF se dirigia para Jarablus. Os curdos foram consolidando ganhos militares e políticos; o Estado turco decidiu agir.

Parece ter havido coordenação turca com o governo sírio. Em 18 de agosto, a Força Aérea síria atacou o YPG/YPJ na província de Hasakah no nordeste da Síria, matando vários civis. Este foi o primeiro ataque da Força Aérea síria aos curdos em cinco anos de guerra civil. Uma batalha se seguiu, na qual 77 forças do governo sírio e paramilitares foram mortos e 170 capturados vivos. 14 combatentes do YPG/YPJ também foram mortos. Os EUA advertiram a Força Aérea síria para não atacar.

Em 20 de agosto 2016, um casamento em Gaziantep no sudeste da Turquia foi atacado por um homem-bomba e 53 pessoas foram mortas, cerca de metade delas eram crianças. O HDP disse que era o último de uma série de ataques contra seus membros. O governo turco usou o massacre para justificar a sua invasão da Síria.

EUA definem o papel para os curdos.

Os EUA valorizam o comprometimento dos curdos contra o IS, mas querem apoiar a Turquia. Isto pode conduzir a posições aparentemente contraditórias. Chegando em Ancara, capital da Turquia, em 24 de agosto, logo após a invasão turca ter começado, o vice-presidente americano disse: “Sem corredor, ponto. Sem separação da entidade [curda] na fronteira com a Turquia… Eles [guerrilheiros curdos] devem voltar para o outro lado do [Eufrates]. Eles não podem, e não irão, receber apoio norte-americano se não o fizerem.” Uma semana depois, o chefe do Comando Central dos EUA, o general Joseph Votel, disse que o apoio dos EUA aos curdos permaneceria enquanto eles lutassem contra o IS. Ele disse que o SDF não era apenas formado por curdos, mas inclui árabes, turcomanos e outros que “realmente estão provando ser a força mais capaz contra o IS nessa parte do teatro de operações”. Ele acrescentou que “Os curdos, na sua maior parte, os curdos que fazem parte da SDF, estão no lado leste do rio Eufrates no momento. Eles tem mantido seu compromisso conosco.”Advertindo a Turquia, Votel disse: “Quando eles [turcos] começaram a focar em outra coisa que não o IS, então, eu acho que nós tivemos de retirar nosso apoio para isso.” Se a Turquia se concentra no IS, os EUA os apoiam.

Um enviado presidencial especial dos EUA para a Coalizão Global para Conter o IS, Brett McGurk, visitou oficiais do SDF e do YPG/YPJ em Kobane em 5 de setembro. McGurk supostamente assegurou-lhes que os EUA vão continuar a apoiar as Forças Democráticas em solo contra o IS. Anteriormente, ele visitou autoridades turcas em Ancara e avaliou os ataques da Turquia à Rojava. Para os curdos, a suspeita de traição pelos EUA é uma experiência familiar. Eles não podem permitir-se limitar sua luta para servir como soldados leais ao imperialismo norte-americano no Oriente Médio.

Quanto tempo a Turquia vai ficar na Síria?

Após a invasão inicial, a Turquia adicionou quadros aos seus tanques e soldados na Síria. Desde 2011, o Estado turco tem apelado para a derrubada do governo ba’athista na Síria e remoção do presidente Assad. Nas últimas semanas, a Turquia tem modificado essas demandas e agora sugere que Assad poderia desempenhar um papel de transição no estabelecimento de um novo governo sírio. A prioridade da Turquia é limitar e enfraquecer os curdos e para isso precisa de mais influência na Síria e do apoio dos EUA e da Rússia. A proposta turca de uma zona segura e uma zona de exclusão aérea, se implementadas, impedirão os curdos de unir os três cantões de Rojava. Iria requerer o estacionamento das forças turcas e seus aliados da milícia em posições aonde possam atacar Rojava e os curdos. Aliados da Turquia fazem parte de, ou estão conectados ao jihadista Jabhat Al Nusra e ao IS. YPG/YPJ reportaram no registro de agosto 17 ataques do exército turco em Rojava, incluindo um ataque aéreo. Em 2 de setembro, o exército turco atacou pessoas que protestavam contra a construção pela Turquia de um muro ao longo da fronteira de Kobane e da Turquia, ferindo 80 civis. Três pessoas foram mortas. Em 5 de setembro, forças turcas atacaram um posto curdo Unidade de Proteção do Povo (YPG) em Rojava. O YPG revidou e matou um soldado turco; o primeiro soldado turco a morrer nas mãos do YPG. Nos seguintes dias, as forças turcas atacaram aldeias curdas fora da cidade Kobane com artilharia pesada e mataram um combatente do YPG. Os curdos tem o direito de auto-defesa. As perspectivas para a escalada dos conflitos são ameaçadoramente altas. Kobane está sendo colocado sob cerco.

Estrategistas dos EUA para o Oriente Médio podem aprovar um plano para dividir a Síria. Em 2012, o vice-ministro das Relações Exteriores de Israel, Danny Ayalon, previu a “fragmentação da Síria em províncias… a formação de um distrito Alawite na região costeira… uma província sunita… e uma província curda no norte da Síria.” No entanto, uma região curda liderada pelo PYD e pelo YPG/YPJ não seria aceitável porque seria democrática, contra o patriarcado e o sectarismo, e seria estabelecer um modelo de autonomia e de governo socialista que desafia as classes dominantes em todos os quatro Estados nos quais os curdos foram divididos após a Primeira Guerra Mundial. Um movimento curdo sírio subordinado, semelhante ao KRG de Barzani, seria aceitável para os Estados locais e o imperialismo.

A guerrilha curda na Turquia continua a sofrer uma escalada de mortes na sua luta contra o exército e a polícia da Turquia. A Associação Diyarbakir de Direitos Humanos informou que 1.552 pessoas, incluindo soldados e policiais, militantes e civis foram mortos em áreas curdas da Turquia no ano após 24 de julho de 2015. Zonas de segurança especiais foram declaradas 87 vezes e toques de recolher foram declarado em 35 distritos. 7.884 pessoas, incluindo 275 crianças, foram levados sob custódia. Tortura e punições coletivas, incluindo a destruição de vilarejos, são comuns. Selahattin Demirtas, co-presidente do HDP, enfrenta acusação de promover “propaganda terrorista” e pode ser preso por cinco anos se for condenado. Ozgur Gundem, o maior jornal curdo da Turquia, foi fechado pelo Estado. Em 5 de setembro de 2016, após não receberem nenhuma noticia do líder preso do PKK, Abdullah Ocalan, desde 05 de abril de 2015, 50 políticos curdos, incluindo deputados, iniciaram uma greve de fome por tempo indeterminado e irreversível em Diyarbakir até que se receba notícias dele. Se o Estado turco não responder à demanda, um vulcão político vai entrar em erupção.

O presidente Erdogan e o Governo turco podem ter cometido um grande erro ao marchar para a Síria. Já ferido e enfraquecido pela tentativa de golpe em 15 de julho, o Estado turco está abrindo novas frentes contra o que está se transformando em uma guerra popular que pode cercá-lo e afundá-lo.

Fonte: Jornal Kurdish Question

Tradução: Coletivo Libertário de Apoio à Rojava – CLAR

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